segunda-feira, 23 de maio de 2011

Quando o interfone toca e você não está lá

A primeira vez que estive com eles, acho que eles nem tinham estado lá. Faz muito tempo, eu nem me lembro quando ou se, eles saberiam precisar. Cada um viria no tempo certo, na hora de abrir a porta e se deixar ficar. Foi assim comigo.Ensaiei diversas vezes essa entrada, essa chegada, eu diria. Mas não, não conseguia passar da porta. Eu era só idéias e verborragia. Nenhum movimento, nenhuma ação. Foi assim que num segundo dia, já que no primeiro eu relutaria, pude enfim me encontrar a sós, com eles.

Entrei naquele apartamento onde tudo aconteceria não no dia em que eu era esperada, mas quando eles menos me esperariam.

Não havia hora marcada, nem motivos aparentemente pertinentes para tal. Apenas uma tarde ensolarada e a vontade deles e minha de se deixar afetar. Sim, mas tarde eu os precisaria. Mas com o tempo, minhas vontades se domariam para fazer a casa andar.
É sempre assim, quando não se conhece o outro. Um momentâneo "quem desdenha quer comprar" ou um "daqui a eternidade".

Não, ainda não houve nosso encontro, talvez apenas um meio ( 1 1/2) novo de se olhar. Mesmo assim quis fazer parte, estar por perto, ganhar um carinho, uns cigarros, alugar um quarto, enfim, quis me mudar. Eu era sempre tão eu, tão sozinha em qualquer lugar.

Seria cada um, um novo porta-retrato a se desvendar. Sim, eles se apresentariam, mas fato é que eu já os sabia, fazia tempo que os observava. Eles eram pedaços de mim, que conseguiam ver-sentir-tocar-falar. Eram personagens que só eles mesmos poderiam explicar. Pensei que eu também devia ser assim. Eles sorriram como se ouvissem os meus pensamentos pensados mais recentemente e apontaram para a porta. Tenho a impressão de ter ouvido alguém dizer : vai lá, a porta sempre esteve aberta era só atravessar o batente.Dito e feito, apenas mais um passo e eu sempre estive lá. Eles são seis, mas somos mais, somos todos numa grande arte de se entrencontrar. A casa estava vazia mas cheia de gentes e eram homens e moças, bonitos por demais. Falavam de segredos. Encostei-me num canto, sentada no chão e comecei a a me apresentar.

Eu sou Tati Berlim, mas poderia não ser. Sou alter ego de mim mesma. Queria ser Peter Pan. Nasci Rebello, mas achei simples demais e resolvi mudar. Mudei o nome, os cabelos e diria até que mudei de sexo se isso fosse contar. Mas não, quase ainda não mudei. Vim caminhando numa linha reta, quase sempre no limiar da noite com o dia, quando são as corujas que gorjeam por lá. Nessa hora vejo um azul cor de índigo que me faz querer morrer um pouco, mas algo assim como o gozo dos franceses. Ah, não venha me criticar se o humor e o sexo hoje servem para me inspirar. Já carreguei muitas pedras precisosas nesse coração lapidado, mas as fui deixando no caminho para amparar as águas das chuvas, fazendo leitos de rio, onde outros irão pescar. Tenho um coração maior que a boca, mas quase nunca deixo de falar. As vezes escrevo no papel, noutras no olhar. Quero ser literariedade, culturalistica, excentricamente falando, só quero ser feliz. Então produzo peças, filmes, realities shows e amigos, esse é o meu gostar.

É por isso Mari que te escrevo, para agradecer a sala, a cia e tudo o mais que virá.
Sinto-me como um bilhete, uma carta que precisava chegar, ainda que o destinatário esteja em outro lugar. Sempre fui aquele interfone que tocar sem cessar, mas sempre, sempre quando nunca estamos lá.

E agora, bom, agora eu tenho onde ficar, mas não se preocupe com as chaves.
Só deixe a janela aberta, porque hoje, eu aprendia voar.

Um comentário:

  1. Oba! Mais uma flor pro nosso jardim!
    Que delícia, Tati. Escrevendo assim, vou te querer na equipe de roteiristas também! A-M-E-I!
    E não se iluda, aquele sábado já foi um encontro, seu brilho foi forte!
    Venha ser Peter Pan e nos ensine "a andar sobre as costas do vento..."

    Bem-vinda do lado de dentro, do lado de cá do batente. Quero continuar lendo suas coisas.

    Beijo.

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